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Aplicações-Hápticas para saúde, games e brinquedos sexuais

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Internet dos Corpos (IoC) e o metaverso tátil

Nossos sentidos são como uma ‘gangue de rua’: além de serem muitos, agem sempre em grupo”. Basta acionar um para que todos respondam. Segundo Alvaro Pascual-Leone, neurologista da Universidade de Harvard, nosso cérebro está sempre usando todas as percepções para criar um cenário mental em cada situação. Ao olhar um abacaxi, por exemplo, você é capaz de sentir a sua textura espinhenta, enquanto mentalmente pode até sentir seu sabor doce e ácido. Sim, nosso cérebro é capaz de sentir texturas através da visão, ou formar imagens através do tato. A viagem pelos nossos 5 sentidos (tato, visão, olfato, audição e paladar) está apenas começando. A ciência já descobriu que os sentidos podem passar de 30 e são bastante adaptáveis, complexos e operam em conjunto. Exemplo: mesmo de olhos fechados, você sabe que tem pés, braços, cabeça e um corpo inteiro. O sentido encarregado de informar o que faz parte do seu corpo é a propriocepção. Assim, o mix de percepções pode ser estranho: por que olhar uma mulher beijando um camundongo ‘embrulha o estômago’? Aliás, qual dos 5 sentidos lhe diz como é um embrulho no estômago? Complexo.

Mas, em tempos de lockdown não precisamos ser especialistas para ‘sentir falta do toque de um abraço’. Poderemos um dia senti-lo por intermédio de nosso smartphone? Será possível tocar a pele do animal de estimação em uma chamada de Zoom? É provável. Existe uma dimensão sensitiva que ganha cada vez mais espaço na cosmologia metaversa: as aplicações hápticas (táteis). O adjetivo háptico é um atributo de algo relacionado ao tato. É proveniente do grego haptikós (“próprio para tocar, sensível ao tato"). No contexto de um ambiente virtual, significa “poder tocar e sentir algo que fisicamente não está lá”. Interagimos com a tecnologia háptica diariamente, quando, por exemplo, recebemos um feedback físico da vibração do smartphone indicando uma chamada. “Haptics” é um termo amplo, mas em geral descreve a nossa interface com sensores que promovem um feedback tátil. Embora seja uma tecnologia embrionária, ela cresceu sobremaneira nos últimos anos nas aplicações de entretenimento (games, artefatos 3D, brinquedos sexuais, etc.), na educação (jogos de reeducação sensitiva, vestíveis de neuroeducação, etc.) e na saúde (interface de controle neurológico, reabilitação cognitiva, treinamento de profissionais da saúde, devices de controle motor, etc.).

Amor, compaixão, alegria, carinho, ódio e outras emoções ganham vida através do tato. Seja no mundo presencial ou artificial, a sensação de 'realidade' é amplamente orientada pelo toque (o primeiro sentido a se desenvolver no útero).  Haptic technologies, juntamente com Realidade Virtual, Realidade Aumentada e Visualização 3D, ganham desenvoltura e avançam nas aplicações profissionais. A rápida evolução háptica tem uma explicação explicita: 5G. Às portas das redes de 5G, os mercados de wearables, como roupas ou gadgets vestíveis, estão cada vez mais enredados em aplicações que utilizem sensores integrados, biossensores, motores, vibradores, ‘mechanoreceptors’, ‘afferent nerves’ e outros elementos táteis que produzam algum insight sensível no corpo humano. A banda 5G possui combinadamente (1) altíssima velocidade; (2) conexão massiva de dispositivos (mais de um milhão por quilometro quadrado) e (3) baixíssimo tempo de resposta (baixa latência). Ou seja, um único vestível poderá conter cerca de 150 sensores funcionando sem interferência, em alta velocidade e com tempo de resposta inferior a 10 milissegundos (em 4G: de 50 a 80 milissegundos). Nessa dimensão, a Internet das Coisas (IoT) se tornará a Internet dos Corpos (IoB - Internet of Bodies), permitindo que pessoas atualizem seu personal-link, adicionando dispositivos, sensores ou chips em seus corpos. Nesse movimento (repleto de neologismos) retorna, por exemplo, a “Internet Tátil”, um conceito proposto em 2014 por Gerhard Fettweis, da Technical University of Dresden, que identifica uma estrutura tecnológica só possível com as latências ultrabaixas de 5G.

Com 5G, a interação homem-máquina torna-se uma ‘simbiose-homem-máquina’, uma espécie de “minotauro-reverso com cabeça de homem e corpo de máquina”. Algumas pesquisas já testam chips RFID implantáveis, ​​como chaves ou crachás de acesso, ou roupas táteis com interface externa de cérebro-computador que poderão ler sinais de ECG, ou ondas cerebrais, capacitando pessoas paralisadas a controlar uma cadeira de rodas, por exemplo. Da mesma forma, roupas hápticas permitirão registrar a atividade elétrica muscular, que, em conjunto com aprendizado de máquina, poderão ser traduzidas em movimentos ‘pretendidos’, permitindo que indivíduos amputados controlem suas mãos ou pés protéticos. A háptica está para o sentido do tato assim como a óptica está para o sentido da visão. Poderemos em breve "trocar feedbacks táteis" remotamente, como um aperto de mão ou um abraço.

Engenheiros de vestuário já conseguem transmitir remotamente algumas das nuances sutis do “toque social”. Para isso, decifram como as pessoas interagem fisicamente com outras e qual sentimento deriva desse encontro, como, felicidade, medo, ternura, asco, etc. Um toque emissor é "traduzido" em sinais que podem ser transmitidos por dispositivos vestíveis, que recebem esses sinais (por ondas de rádio) e "entregam” uma versão aproximada das sensações originais. Braçadeiras dotadas de sensores, por exemplo, poderão identificar a "háptica social". Ao acionar os atuadores em padrões distintos, emerge um conteúdo emocional específico: quando uma pessoa recebe uma “mensagem” a compreende por intermédio de uma ilusão tátil, como alguém roçando o seu braço. Já existem até ‘alfabetos de toques’ (ringtone dictionary), uma coleção de emojis hápticos que identificam sinais de felicidade, cansaço, tristeza, agressividade e ternura. São pesquisados em milhares de voluntários que reagem aos toques (gerados pelos vestíveis) em cada situação. Algoritmos específicos analisam os sinais, criando uma matriz sensitiva que os atuadores estimulam.

Sempre é bom lembrar que o toque pode ‘influenciar a forma como tomamos decisões’. Uma textura pode estar associada a conceitos abstratos, sendo que tocar em algo pode influenciar mentalmente nossas decisões, explicam estudos realizados por pesquisadores das Universidades de Harvard e Yale, publicados em junho de 2010 na revista Science. Tocar objetos macios ou rígidos, lisos ou ásperos, pesados ​​ou leves pode sugestionar as pessoas, dizem os pesquisadores. Essas sensações táteis podem estimular pensamentos abstratos ligados a metáforas relacionadas ao toque. Por exemplo, a ‘solidez’ (dureza) pode evocar conceitos de estabilidade e firmeza, enquanto a ‘aspereza’ pode gerar ideia de dificuldade, sendo que o ‘peso’ pode evocar impressões de importância e seriedade. Um exemplo de design tátil são as bordas suaves e arredondadas dos smartphones, que transmitem sensações de facilidade, confiabilidade e elegância.

Também já é possível modelos de “háptica química”, que envolve o desencadeamento de vários estímulos na pele usando diferentes produtos químicos. Eles “são entregues” por meio de adesivos ou microbombas-vestíveis que podem ser usados ​​em qualquer parte do corpo. Quando em contato direto com a pele os adesivos geram estímulos, inclusive faciais. Substâncias químicas diferentes simulam diferentes sensações físicas. O ‘mentol’, por exemplo, é usado para criar uma sensação de frescor, como caminhar ao ar livre em um dia frio. A ‘lidocaína’, frequentemente usada como anestésico local, pode simular uma sensação de entorpecimento na pele. Já a ‘capsaicina’, substância química por trás do alimento apimentado, cria uma sensação de maior temperatura (calor). O ‘sanshool’ (hydroxy-alpha-sanshool) gera uma sensação de formigamento na pele, enquanto o cinamaldeído (aldeído cinâmico) simula a sensação de ardor, tendo, portanto, um feedback negativo. Um vídeo da University of Chicago mostra por meio de um rudimentar game de realidade virtual como cada uma dessas sensações poderia ser utilizada. Dentro dessa perspectiva, a porta está aberta para um ‘metaverso tátil’, onde as aplicações de realidade estendida (XR) e a tecnologia háptica criam sistemas de realidade-virtual-sentida”.

Assim sendo, surgem interessantes aplicações médicas hápticas que podem revolucionar as áreas de Reabilitação Neuropsicológica, Reabilitação Cognitiva, ou mesmo na área de Reeducação Sensorial. Os vestíveis táteis para profissionais de saúde, por exemplo, já são uma realidade. A NeuroShirt é uma jaqueta inteligente que orienta os neurocirurgiões a evitar danos em estruturas críticas, como vasos sanguíneos e sistemas nervosos, durante os procedimentos invasivos cerebrais. Dezesseis micromotores vibratórios, dispostos em dois círculos na parte de trás da roupa, alertam o cirurgião sobre a proximidade das estruturas de alto risco. Os elementos estão conectados ao sistema de neuronavegação, que indica continuamente a distância e a direção por meio de vibrações. Essa estrutura tátil-vestível “evita também que eles precisem alternar entre a visão microscópica do paciente e a tela de neuronavegação”. A roupa foi desenvolvida pelo University Medical Center Utrecht em conjunto com a Elitac Wearables, que também produz o BalanceBelt, um cinto com feedback tátil que produz minúsculas vibrações. Desenvolvido em parceria com o Maastricht University Medical Center, o cinto é utilizado por pacientes com “perda vestibular bilateral” (AVB - Arreflexia Vestibular Bilateral), uma condição que prejudica gravemente o equilíbrio e, consequentemente, dificulta a caminhada e a falta do senso de posição (confira no vídeo). Um estudo publicado em 2019 (“Vibrotactile feedback improves balance and mobility in patients with severe bilateral vestibular loss”) mostrou que esse modelo de tecnologia háptica leva uma melhor qualidade de vida aos prejudicados por deficiências de movimento. Até um terceiro polegar já está em fase final de desenvolvimento. O Haptic Design Award premiou o The Third Thumb, uma extensão impressa em 3D de um sexto dedo, que seria utilizado na relação entre o corpo humano e as próteses (veja vídeo).

No fundo, o feedback tátil é uma excelente forma de substituição sensorial, podendo repor um sentido e transmitir informação ao usuário. Deficientes visuais, por exemplo, também poderão usufruir dos tecidos táteis. A prevenção de obstáculos é uma tarefa colossal para eles. Muitos projetos de suporte tecnológico à “navegação de cegos” foram frustrados nos últimos anos por diferentes problemas, sendo que a maioria falha em fornecer um feedback multidimensional. Estudo publicado em 2022 (“Obstacle avoidance for blind people using a 3D camera and a haptic feedback sleeve”) mostra que é possível um sistema de prevenção de obstáculos combinando câmera 3D e uma luva de feedback tátil. Em teste de funcionalidade, ele foi capaz de identificar e localizar corretamente 98,6% dos padrões de vibração e 70% dos padrões de vibração multidirecional (avaliação em escuridão total). Trata-se de uma excepcional oportunidade de suporte virtual ao deficiente, que não demorará em chegar ao mercado. Da mesma forma, o HaptiRead’s Ultrasonic Braille Display, um dispositivo desenvolvido pela Universidade de Bayreuth (Alemanha) que permite a leitura em Braile por meio da ultrassonografia. Inclui 256 transdutores ultrassônicos (pequenos alto-falantes) que emitem ondas ultrassônicas na direção dos dedos do usuário.

Depois do crescimento da consulta médica virtual, crescem as opções de devices hápticos para seu suporte. Roupas hápticas com centenas de sensores integrados a IA ajudarão o diagnóstico à distância. Pacientes poderão sentir o toque médico à milhares de quilômetros. Aplicações de Smart Dust, por exemplo, contendo nuvens de minúsculos dispositivos do tamanho de um grão de sal (cada grão abarcando sensores, nanocâmeras e mecanismos de comunicação), coletam dados e os enviam a centrais de inteligência artificial. Podem detectar luz, temperatura, vibração, magnetismo, produtos químicos, etc., permitindo ao médico usar esse ‘pó inteligente’ para diagnosticar problemas remotamente, mensurando os sinais corporais por meio dos sensores hápticos acoplados ao corpo do paciente. Fornecerão feedback instantâneo sobre tratamentos, terapias e controles de ingestão medicamentosa. Ameaças sanitárias potenciais poderão ser detectadas em seu estágio inicial de interferência. Nesse sentido, ao avanços recentes em metaverso clínico se concentram cada vez mais no feedback háptico e óptico.

Denominar algum vestuário de “roupa inteligente” é, em geral, uma exploração publicitária, que junta ‘alhos e bugalhos’ sem distinguir o que tem comprovação científica ou só comprovação comercial. O Apollo’s Wearable Wellness Device, por exemplo, é um dispositivo vestível de pulso ou tornozelo que envia vibrações para ajudar os usuários a se sentirem relaxados e energizados. O quanto funciona? Com a palavra os usuários, que podem reagir diferentemente a cada estímulo. Nem sempre esses devices emulam sensações perceptíveis ou vinculam ao prazer. Todavia, no quesito prazer, notadamente sexual, o mercado tátil é um cosmos a parte. Dentro da saudabilidade voltada ao relaxamento sexual, não faltam exemplos de devices hápticos. Dezenas de fabricantes produzem sex-vibrators usados por milhões de pessoas todos os dias, mostrando o sucesso dos “brinquedos sexuais hápticos”. O Womanizer’s Air Pressure Vibrator, por exemplo, inova utilizando a pressão de ar para que usuários atinjam o orgasmo com o mínimo de contato físico. Aliás, esses devices são hoje projetados por educadores sexuais, médicos e alguns dos maiores ‘sexperts’ do mundo. Algumas das roupas hápticas apresentadas no última CES 2022 (maior feira de tecnologia dos EUA) mostra essa tendência. São coletes (colantes) carregados de sensores espalhados por vários pontos estratégicos do corpo e prontos a interagirem com aplicativos metaversos. O wearable Omo Game, por exemplo, é um vestível para games, podendo ser usado para jogos sexuais. Artigo do importante jornal espanhol El Confidencial, publicado em janeiro 2022 (“La clave del éxito del metaverso no será la vista sino el tacto”), mostra as opções do sexo-metaverso e as barreiras puritanas, que certamente não serão impeditivas para o crescimento dos jogos táteis sexuais.

Robôs não serão mais sem-tato, terão 'pele', que poderá fornecer a sensação tátil dos humanos. Um colete fitness já permite hoje que o usuário sinta mais de 20 sensações diferentes. Luvas hápticas já possibilitam que pessoas sintam objetos virtuais (avatares) através de bolsas de ar. Braçadeiras táteis coletarão informações biométricas, permitindo analisar o movimento físico do usuário em níveis granulares, podendo prever o aparecimento de doenças como Parkinson. Nossas sensações serão cada vez mais apoiadas por máquinas, dispositivos e sensores. Não importa se você não sabe o significado de “embrulho no estomago”, ou porque a imagem de um prego no olho traz uma “sensação de dor, ou mesmo porque este texto lhe pareceu “insuportavelmente chato”, o que importa é que os sentidos serão mais e mais decodificados pela ciência, sejam eles 5 ou 30.

Guilherme S. Hummel
Scientific Coordinator Hospitalar Hub
Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)