faz parte da divisão Informa Markets da Informa PLC

Este site é operado por uma empresa ou empresas de propriedade da Informa PLC e todos os direitos autorais residem com eles. A sede da Informa PLC é 5 Howick Place, Londres SW1P 1WG. Registrado na Inglaterra e no País de Gales. Número 8860726.

“Doutor, só opero se tiver robô!” Robótica aumenta a segurança cirúrgica

Article-“Doutor, só opero se tiver robô!” Robótica aumenta a segurança cirúrgica

Robótica aumenta a segurança cirúrgica.jpg
Primeiro estudo clínico sobre os efeitos da cirurgia assistida por robô.

“Fui diagnosticada com câncer de bexiga. Após um processo quimioterápico, o médico me sugeriu a remoção da bexiga. Para essa remoção, passei por uma cirurgia robótica. A operação foi um sucesso e eu estava de pé e andando logo após a cirurgia. Tendo feito a operação em abril, voltei ao trabalho e à academia em meados de junho. Passei a levar uma vida ativa normal”, explicou Frances C. Essendon, de Hertfordshire (UK). Já o aposentado John Hammond, de 75 anos (Doncaster, UK), testemunhou: “Descobri que tinha um tumor na bexiga e tomei a decisão junto com meu médico de removê-la e utilizar um estoma, sendo a operação assistida por tecnologia robótica, com meu cirurgião operando a partir de um computador localizado no Centro Cirúrgico há alguns metros de mim. Uma tela com visão 3D o ajudava a direcionar os movimentos precisos dos braços robóticos. Praticamente o médico não encostou em mim”, explicou Hammond (talvez com algum exagero). Uma coisa é a medicina acolher uma tecnologia emergente, outra é o paciente aceitá-la e, da mesma forma, tutelar o seu uso. No momento em que a Saúde Suplementar, o judiciário e os beneficiários de Planos de Saúde discutem “rol taxativo”, “coberturas obrigatórias” e requisitos tecnológicos, o procedimento RAS (Cirurgia Assistida por Robô) ganha força no mundo todo, avança no Brasil e consegue granjear “pacientes-adeptos” que a cada dia adquirem mais confiança em aceitá-la.  

Um ensaio clínico inédito liderado por cientistas da University College London e University of Sheffield (“Effect of Robot-Assisted Radical Cystectomy With Intracorporeal Urinary Diversion vs Open Radical Cystectomy on 90-Day Morbidity and Mortality Among Patients With Bladder Cancer”) está mexendo com essa confiança, empoderando médicos e pacientes no uso da cirurgia assistida por robô.  O estudo foca na remoção do câncer de bexiga, mas conclui que pacientes sujeitos a uma RAS se recuperam muito mais rápido e gastam consideravelmente menos tempo de internação (20% a menos). Publicado em maio de 2022 no JAMA e financiado pela The Urology Foundation, o estudo descobriu que a cirurgia robótica reduz a chance de readmissão pela metade (52%), e, “surpreendentemente” (o termo é do estudo), reduz em quatro vezes (77%) a prevalência de coágulos sanguíneos (tromboses, embolias, etc.), uma das causas do aumento da morbidade pós-cirurgia. O estudo é considerado um marco para o setor, pois compara os procedimentos cirúrgicos àqueles realizados por cirurgias abertas. Da mesma forma, o trabalho mostra que a qualidade de vida dos pacientes também melhora, com sua atividade física aumentando em curto espaço de tempo (o estudo aferiu a vida pós-operatória de centenas de pacientes por meio de wearables).

Os pesquisadores avaliaram o estado de 338 pacientes com câncer de bexiga não metastático. Metade desses pacientes foi submetida a um procedimento minimamente invasivo assistido por robô (remoção da bexiga), enquanto os outros 169 pacientes receberam a mesma cirurgia, mas aberta e sem a ajuda da robótica. O primeiro grupo passou em média 8 dias no hospital se recuperando. Enquanto o grupo de cirurgia aberta ficou 10 dias. As readmissões hospitalares nos 90 dias seguintes à intervenção também foram avaliadas: 21% dos pacientes do primeiro grupo tiveram que retornar, contra 32% do segundo grupo. “Essa é uma descoberta muito importante", diz o professor James Catto, professor de cirurgia urológica do Departamento de Oncologia Universidade de Sheffield. "O tempo de internação reduzido e a recuperação mais rápida terá impacto direto na disponibilidade de leitos hospitalares”, explicou ele. Trata-se, portanto, de um balizamento significativo e sem precedentes na avaliação da RAS.

"Apesar da crescente prevalência de cirurgia assistida pela robótica, nenhuma avaliação clínica significativa havia sido realizada para identificar claramente o benefício para a recuperação do paciente", explicou o professor John Kelly, do Uro-Oncology da UCL’s e cirurgião da University College London, um dos autores do estudo. “Nesse trabalho, queríamos estabelecer se a cirurgia assistida por robótica, em comparação com a cirurgia aberta, reduz o tempo de permanência no hospital, diminui as readmissões e leva a melhores níveis de condicionamento físico e qualidade de vida. Em todos os casos, isso foi mostrado". Mas talvez a descoberta mais surpreendente tenha sido a “impressionante” redução dos coágulos sanguíneos em pacientes submetidos à cirurgia robótica, com os pacientes se beneficiando de muito menos complicações e um retorno mais rápido à vida normal. Assim, o tempo de internação reduzido diminui as pressões ocupacionais de leito no Sistema de Saúde, como já ocorre no NHS. Ensaios anteriores se concentravam nos níveis de recuperação de longo prazo, sendo que nenhum deles observou as diferenças nos dias e semanas imediatamente posteriores a cirurgia.

O NHS, por exemplo, depositou suas esperanças na cirurgia robótica para lidar com os atrasos pós-pandemia, quando mais de 6 milhões de pacientes esperam por procedimentos não urgentes. O NHS Highland, na Escócia, conseguiu reduzir pela metade o tempo de internação hospitalar adotando robôs cirúrgicos. O conselho de saúde da região recebeu seu primeiro sistema robótico DaVinci XI em agosto de 2021 (para unidade colorretal) e, desde então, disponibilizou o sistema para cobrir as especialidades de ginecologia e urologia (já realizando mais de 100 RASs). O tempo médio de permanência hospitalar foi reduzido pela metade – quatro dias com RAS em comparação a oito com cirurgia convencional. Além disso, menos pacientes precisam de cuidados intensivos após a cirurgia, com admissões em unidades de alta dependência caindo de 70% para menos de 10%. O ensaio da University College London deverá ser um milestone para melhorar a aceitação da RAS. Jelle Ruurda, cirurgiã gastrointestinal do Centro Médico Universitário de Utrecht, na Holanda, compara a adesão a cirurgia robótica com a aceitação dos scanners de tomografia computadorizada (CT Scan) e ressonância magnética (MRI). “Há vinte anos, havia um tomógrafo em cada hospital da Europa, e nos EUA havia hospitais que já tinham 10. Agora, todo hospital que se preze tem pelo menos 10 scanners de CAT e alguns scanners de MRI. Acontecerá o mesmo com a robótica cirúrgica”.

A consultoria EY nos convida a participar da jornada de Emma, uma hipotética paciente com câncer de pulmão. Após o diagnóstico, Emma passa por uma cirurgia para remoção do tecido maligno e de outras partes do tecido circundante. O hospital recebe seu EHR e o cirurgião analisa as imagens usando AR (realidade aumentada) para garantir o planejamento pré-operatório ideal. Com a ajuda de Inteligência Artificial, as estruturas anatômicas podem ser detectadas e exibidas automaticamente, incluindo a extensão em que um tecido é afetado pela doença. Como o nódulo no pulmão de Emma está em um local de difícil acesso, o cirurgião utiliza RAS e convida um colega com experiência para acompanhá-lo. O acompanhamento é feito a distância, com a cirurgia sendo transmitida ao vivo e com alta resolução para o especialista, que o aconselha no desenrolar do procedimento graças a Telerobótica 5G. Ambos estão a milhares de quilômetros de distância. Esse é o futuro? Não, milhares de procedimentos em RAS e acompanhamento remoto já são realizados anualmente por vários hospitais públicos e privados espalhados pelo mundo, incluindo no Brasil.

Mas a consagração da robótica cirúrgica não será automática, carecendo cada vez mais de convencimento do paciente. Anterior ao estudo do College London, outro trabalho intitulado “Do People Trust in Robot-Assisted Surgery? Evidence from Europe”, publicado em 2021, constatou que “a confiança é uma variável importante na tomada de decisões relacionadas à saúde, especialmente quando envolve risco e incerteza”. Os autores realizaram pesquisa sobre como indivíduos na União Europeia se sentem confortáveis ​​em ter uma operação médica realizada por um robô imerso em inteligência artificial”. O estudo envolveu perguntas a 27.901 cidadãos, com 15 anos ou mais, nos 28 países da Comunidade Europeia, considerando fatores e barreiras como ambientes socioeconômicos, sociodemográficos e indicadores psicográficos. Os autores confirmam que a utilidade da robótica na medicina é considerável, sendo sua precisão, capacidade de programação e potencial de redução do erro humano ajuda os pacientes a se recuperarem mais rapidamente. Mas a pesquisa também ressalta que “a implementação efetiva de robôs deve levar em consideração os fatores que influenciam a confiança do público em geral”. O estudo encontrou um amplo conjunto de dúvidas sobre a realização da RAS devido à falta de confiança, fornecendo novas evidências para ampliar o debate sobre a aceitação da robótica cirúrgica na Europa. Para os pesquisadores, duas variáveis impactam a confiança na RAS: (1) experiência anterior no uso de robôs e a (2) facilidade percebida com a sua utilização. Eles alertam que “as motivações para a desconfiança (percepção sobre robôs) só decrescem com a experiência de seu uso, que, por sua vez, deve ser explicada, considerada e informada plenamente ao paciente pelo médico. Em outras palavras: são os pacientes que devem decidir o uso ou não da RAS, cabendo tão somente a eles a decisão final e não unicamente ao médico. Uma identificação do estudo: a confiança em robôs para intervenções cirúrgicas foi maior em pessoas entre 40 e 54 anos e com níveis educacionais mais altos.

Outra avaliação importante é que os procedimentos assistidos por robótica podem reduzir em muito o consumo de opioides. Quanto menos invasivos, menos dor ocorrerá na recuperação, o que significa menos medicação. "A diminuição da dor significa uma diminuição da prescrição de narcóticos", diz a Dra. Bethany Malone, cirurgiã de cólon e reto no Texas, especializada em cirurgia robótica. “Para procedimentos como reparo de uma hérnia inguinal, costumo enviar pacientes para casa com medicamentos de venda livre, como tylenol ou ibuprofeno”, explica Malone. “Após a RAS, os pacientes geralmente vão para casa no primeiro ou segundo dia após a cirurgia. Com a cirurgia aberta, eles geralmente ficam de 5 a 7 dias no hospital, sem falar que com RAS as cicatrizes são mínimas”, observou Malone.

Os EUA são o país que mais utiliza cirurgia robótica, com mais de 15% de suas intervenções utilizando. No restante dos países ocidentais, o percentual cai drasticamente para 2%, segundo estimativas da gigante de tecnologia médica Medtronic (na Espanha, por exemplo, existem 24 sistemas de cirurgia robótica). Até 2021, a estimativa é que o Brasil possuía mais de 100 estações de robótica cirúrgica assistida, já tendo sido realizadas mais de 25 mil RASs no país. Em março de 2022, o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou a resolução n° 2.311/2022, que libera o tratamento cirúrgico com uso de plataforma robótica, explicando todos os critérios para a realização desse tipo de procedimento. A expansão tende a crescer nos próximos anos, principalmente com mais estudos assegurando a segurança, a redução de custeio e o tempo de recuperação. Em geral, os planos de saúde no Brasil não preveem a cobertura para RAS, argumentando que o tratamento em si não está incluso no rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde). Entretanto, muitas entidades jurídicas consideram que quando houver indicação médica a sua recusa seria abusiva. Assim, alguns tribunais têm entendido que deve ser deferido o pedido de RAS quando houver indicação médica. A polêmica vai longe, mas existe um fator na Saúde que pode fazer a diferença, sendo conhecido nos EUA como “customer value” (valor para o cliente): “aquilo que o consumidor percebe como valor, reconhece como vantagem crítica para sua vida e reivindica sua adoção pela cadeia de saúde, tende a ser implantado por ela ao longo do tempo”. Não será diferente no Brasil.

Você estaria inclinado a adquirir um Plano de Saúde que não contasse com serviços de Telemedicina? Ou que os exames de imagiologia fossem realizados somente em caso de internação? Ou que o plano não alcançasse procedimentos laparoscópicos?  Possivelmente não. Não se trata de presunção, mas de simples constatação: a cirurgia robótica assistida vai crescer nos sistemas de saúde, mas principalmente vai amadurecer a confiança no imaginário coletivo das pessoas. Assim, determinadas tecnologias receberão maior ou menor aceitação nas horas críticas, sendo que muitas delas passarão a ser vinculantes para o paciente. Não está distante o momento em que o paciente escolherá a seguradora, o hospital e até o cirurgião em função da sua adoção a robótica cirúrgica. Immanuel Kant explicou isso no Século XVIII: “A inteligência individual só pode ser medida pela quantidade de incertezas que é capaz de suportar”.

Guilherme S. Hummel
Scientific Coordinator Hospitalar Hub
Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)