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Hospitalista é necessariamente empregado de hospital?

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A resposta é não. E existem modelos de trabalho e organização que podem ser melhor explorados

Não. E esta é uma interpretação equivocada de muita gente no Brasil.

Para começo de entendimento, vale sempre lembrar o que define um hospitalista. A partir disto, compreender que é possível chegar nele de várias formas. Por distintos caminhos, com vantagens e desvantagens que, por vezes, são estabelecidas apenas localmente.

Um dos fatores que, no Brasil, favorece a conclusão equivocada de que ser hospitalista é ser empregado de um hospital é a confusão conceitual entre plantões de retaguarda e medicina hospitalista. Faz todo sentido do mundo médicos que compõem esses plantões como TRR’s serem contratações diretas das instituições prestadoras. Medicina Hospitalar (MH) ou Hospitalista não é isso, veja explicado de outro modo aqui, agora por quem cunhou o termo hospitalista.

Outro fator a confundir, e este é mais abrangente e universal: movimentos como o de verticalização nas instituições de saúde hospitalares surgem mais ou menos concomitantes ao movimento de MH, criando uma falsa impressão de necessários, ou até mesmo obrigatórios, entrelaçamentos. Vários movimentos modernos das últimas décadas, a maioria representada por alguma sigla de três letras (CON, DRG, PPO, PPM, ACO, EHR, P4P), embora tenham justificativas comuns (Accountability! Alinhamento! Coordenação!), são pretensas soluções usualmente independentes. Em outras palavras, podem ser ou não combinadas. Não precisam necessariamente ser combinadas!

Verticalização ou contratação direta dos médicos não são imperativos para existência de hospitalistas. Não bastasse, o entendimento de que todas essas siglas de três letras (e a própria medicina hospitalista muitas vezes é apresentada como HMP – de hospital medicine program) são um obrigatório pacote de medidas indissociáveis pode não estar ajudando o movimento de MH, uma vez que algumas destas pretensas soluções já se mostraram de muito baixo valor, enquanto outras têm enorme antipatia de setores que eventualmente moldam forte a cultura de saúde local.

A situação atual

Mas vamos a dados objetivos:

Até 2011, segundo the Today’s Hospitalist Compensation & Career Survey, mais da metade dos hospitalistas nos EUA não eram empregados dos hospitais. Os números foram crescendo. Mas cresceram tanto entre hospitalistas quanto no cenário de outras especialidades / áreas de atuação médicas. Empregabilidade e assalariamento cresceram inclusive no setor da medicina ambulatorial.

Em 2018/ 2019, segundo algumas análises, parece ter sido o momento da inversão paradigmática nos EUA. E atualmente, a maioria dos médicos lá trabalha de fato para - não apenas em - um hospital ou sistema de saúde. Esses números ainda cresceram muito durante a pandemia da COVID-19.

A questão tornou-se, entretanto, mais complexa do que “ser empregado de um hospital”: o movimento de horizontalização, que culminou com grandes conglomerados na saúde, faz hoje do UnitedHealth Group, por exemplo, originalmente uma fonte pagadora, o maior empregador de médicos, mas não apenas hospitalistas. Ainda assim, os EUA é um país enorme, heterogêneo em realidades (onde há Mayo Clinic’s, hospitais rurais e bastante coisa entre umas e outras), e com milhares de médicos trabalhando. Há, e deve continuar existindo, um bom número de hospitalistas atuando de forma independente ou através de “grupos pertencentes a médicos”. Esses physician-owned groups são também heterogêneos e muitos, os menores especialmente, ainda devem ser interpretados como prática iminentemente autônoma ou independente.

Vários caminhos são possíveis, então! E, no Brasil, muitas das peças do quebra cabeça ainda estão se encaixando. Estamos experimentando hoje muito do que já foi feito nos EUA, e há razões para consequências diferentes. Contamos com a vantagem da experimentação prévia por terceiros e dos aprendizados que podem decorrer disso. Temos tudo para até mesmo desviar de algumas daquelas siglas de três letras. Cabe, portanto, muita calma, análises e reflexões. Idas e vindas, também no que diz respeito à natureza e profundidade dos vínculos, devem ser vistas com naturalidade.

Muitos sistemas de saúde aqui (entre hospitais e convênios) ainda tratam médicos empregados como móveis e utensílios. Por estes e outros fatores, acredito não seja hora de nós, hospitalistas do presente ou do futuro, prendermo-nos a formulismos. Devemos buscar as melhores oportunidades, pensando na gente e em nossos pacientes, analisando possibilidades, formatos distintos que podem levar a resultados parecidos.

Hospitalista definitivamente não precisa ser empregado de hospital. Sequer precisa ser empregado de alguém e assim atuam vários grupos em hospitais mundo afora, sem sentir falta de um vínculo formal e direto, eventualmente carentes apenas de outras modalidades de parceria e colaboração (como através de recursos que favoreçam estrutura física para trabalho confortável de quem não está no hospital apenas para passar visita e ir para outro lugar). Este exemplo me faz lembrar imediatamente de uma instituição muito famosa aqui em Porto Alegre, onde chamam os profissionais do plantão clínico e do plantão de retaguarda de hospitalistas (e contratam formalmente os médicos que nele atuam), enquanto os hospitalistas que existem lá atuam por meio de um grupo de pediatras cuja remuneração advém das fontes pagadoras externas tradicionais – em tese bastante independentes, portanto.

Oportunidades de melhorias 

Uma vez que a tal integração (seja vertical, seja horizontal) com fusão “umbilical” entre médicos e instituição prestadora não emplacou em larga escala – ao menos como maneira de impulsionar qualidade assistencial e reduzir custos (referência altamente recomendada aqui), muitos nos EUA voltaram a considerar que outros tipos de vínculos podem e devem ser explorados.

Maior independência entre partes e mais informalidade em oposição ao esqueleto rígido da tal integração em saúde que vem copiado “fielmente” de alguns benchmarkings (sem jamais reproduzir, em larga escala, os seus excelentes resultados) podem favorecer empreendedorismo, com mais competição (usualmente desejável, não?), bem como menos estímulos à burocratização e a protocolos não adaptáveis, o que vai bastante de encontro ao conceito de melhoria contínua / ciclos de melhorias.

No escopo específico de programas de medicina hospitalista, podem colocar grupos de médicos a competir mais efetivamente entre si ao invés de estarem todos a serviço de orientações “top-down”, onde um executivo ou grupo executivo oferece matriz estanque para solução do problema assistencial complexo. Dessa forma os hospitalistas atuariam por meio de um modelo mais aberto à competição entre grupos ou pares, com maior liberdade para tomada de riscos e, quem sabe, para emplacar inovações. Caberia ao pessoal da ponta encontrar melhores formas de fazer em cenário (a própria ponta) que ninguém conhece tão de perto quanto eles próprios.

O grupo gestor, ao final, diferenciaria os médicos pelo que entregam de fato, menos importando os meios. Ao invés de oferecem a todos abaixo deles na organização diretrizes pouco maleáveis - pretensas soluções prontas importadas dos “cases de sucesso”, sem pilotos internos para verificação de reprodutibilidade ou efetividade, e pouco permitindo criatividade ou disrupção à jusante.

Os grupos poderiam passar a atuar diferente, tendo as seguintes ações: a) apontando os metas / demandas institucionais, e as prioridades; b) divulgando as soluções que possuem respaldo em evidências e oferecendo os recursos necessários para aproveitamento delas (capacitação em ciência da melhoria de uma forma geral); c) permitindo que aqueles com a “pele em risco”, a própria equipe assistencial, os hospitalistas, os enfermeiros, tenham participação forte nos processos de implantação de melhorias – que é como deve acontecer (Bottom-Up Change); d) a cereja do bolo: a partir da avaliação de performance dos grupos / pares, difusão de informação sobre as práticas que já estão dando certo localmente, que estão trazendo os melhores resultados locais, dando oportunidade a grupos de pior desempenho melhorarem ao “aprender” com os de melhor desempenho (o que naturalmente também deveria gerar mais ganhos àqueles agora utlizados de benchmarking).

Nada disso é novidade no mundo dos negócios. Cabe lembrar o exemplo da indústria automotiva: por décadas, a General Motors abraçou a integração vertical, enquanto empresas europeias e japonesas adotaram outra abordagem, preferindo redes semiautônomas e fornecedores independentes. E tudo bem, para os que conhecem os seus desempenhos e resultados econômicos...