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NFT (non-fungible token): monetizando seu dado clínico (finalmente)

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Blockchain e NFTs assegurando acesso monetizado aos dados médicos

“Quem é o dono do seu DNA? Quem é o arrendador de seu dado-clínico?” O paciente desconfia que é ele, mas não o controla e nem o detêm, não tem acesso ao seu compartilhamento, desconhece qualquer transação parcial ou total a que ele esteja submetido e não tem participação em eventuais monetizações realizadas com seu DNA ou com suas informações médicas. Enquanto tudo era papel, tudo era complexo de ser reutilizado. Resmas de prontuários acumulados pelos corredores, pastas clínicas entupindo gavetas e pouca utilização da informação médica para fins científico-comerciais. Esse ciclo está acabando. O Registro Digital no século XXI é como “um deus do Velho Testamento: coleciona regras, códigos e nenhuma misericórdia”. Tudo passou a ser código programável, valendo ouro para os Sistemas de Saúde. Segundo dados do Trustwave Global Security Report  (2019), um ‘registro médico digital’ chega a valer US$ 250 no mercado informal, crescendo de valor à medida que cresce o uso dos EHRs. Em novos tempos, novas perspectivas: nosso ‘dado-clínico-de-saúde’ será um NFT (non-fungible token), e com ele poderemos autenticar, atualizar e autorizar seu compartilhamento, podendo até monetizá-lo e garantir benefícios financeiros à medida que outros o utilizem e produzam valor agregado com suas informações.

Em 2017, o pioneiro de genômica da Harvard University, George Church, se uniu a dois jovens cientistas para lançar a Nebula Genomics, um serviço de sequenciamento genômico com ênfase na transparência dos dados utilizados. Em 25 de abril de 2021 (Dia Nacional do DNA) a Nebula colocou o genoma de Church em leilão como NFT (ativo infungível), sendo o primeiro caso de sequenciamento genético a ser disponibilizado comercialmente ao mercado, incluindo junto seus registros médicos, dados multiômicos e outras informações. Essa notícia passou quase despercebida, mas ela significa um espetacular passo na direção de monetizar ‘ativos digitais clínicos’ em base segura e controlada. Trata-se da mais ousada reunião de três modelos de negócio do século XXI: NFT, blockchain e biogenética. O fato abriu uma colossal corrida na direção do tão esperado “direito de participação comercial” dos pacientes sobre seus dados médicos, que há mais de meio século são utilizados por empresas, governos e quase todos os players do setor, sem quaisquer direitos mercantis a seus reais proprietários.

É simples identificar: quando você faz um “teste genético direto-ao-consumidor” frequentemente está cedendo seus dados para serem licenciados com empresas farmacêuticas ou outros interessados, sem ter dado qualquer autorização para essa transferência de direitos. Essas informações (clinical-data) são um dos mais valiosos ativos deste século. Ficou claro na pandemia que ‘conjuntos de dados’ (anonimizados ou não) são hackeados, comercializados, permutados e reutilizados por inúmeras instancias legais ou não, formais ou não. A generosidade humana admite, por exemplo, que milhares (talvez milhões) de indivíduos participem de trials-vacinais, cujos produtos finais são vendidos mundo afora sem que nenhum voluntário (em geral profissionais de saúde) receba pouco mais do que um agradecimento. De qualquer modo, estamos finalizando uma Era. Acostume-se com um mundo onde o “usuário-paciente sempre que deseje participará decisivamente da utilização e monetização de seus dados clínicos”. Qualquer vetor, do mais singular médico, passando pelos laboratórios de análise clínica, hospitais, seguradoras, institutos de pesquisa, indústria farmacêutica, autarquias etc. que deseje fazer uso transacional-pecuniário das informações digitais de um paciente terá não só de ter o seu consentimento como também a sua eventual participação monetária. O mesmo se dará com Bancos de Saúde e de Órgãos, onde as doações humanistas e altruísticas continuarão o ocorrer, mas com regulações específicas no sentido de compensar monetariamente as doações (‘benefit-donation’), como, por exemplo, o projeto de Lei 920/21 em transito desde março na Câmara dos Deputados e que legisla pela primeira vez na história do país a concessão de três salários mínimos e isenção de taxas e tarifas para a família do doador. Controle digital, compensação obrigatória e a correção de uma distorção escandalosa.

O epidemiologista e zoólogo Marston Bates (1906-1974) escreveu que "pesquisa científica é o processo de entrar em vielas para verificar se elas são becos sem saída”. Tinha razão. Afinal, a informação mais necessária é sempre a menos disponível. Mas como podemos torná-la mais acessível? Simples: saber como está armazenada, se está autenticada, se é atualizada, se nunca foi violada e se pode ser logada com o consentimento do paciente. Os dados contidos nos EHRs precisam ser compartilhados e usados de forma utilitarista, mas não de forma perdulária. Quando o paciente tiver certeza da legitimidade e certificação de seus dados clínicos ele mesmo será o maior indutor de seu uso científico-exploratório dentro da cadeia de Saúde. Toda tecnologia blockchain atualmente em uso (criptomoedas) já prove segurança e privacidade, permitindo gerar “atestados de autenticidade e posse de ativos digitais infungíveis”. Um NFT é uma representação única de um insumo digital (arquivos de imagem, registros eletrônicos, músicas digitalizadas, tokens artísticos, etc.), sendo, portanto, um certificado digital. Bens fungíveis são aqueles que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade ou quantidade. Já os não-fungíveis não podem ser substituídos por outros, não são intercambiáveis ou duplicáveis, sendo únicos e singulares. Imagine que você tenha 1 nota de R$10, ou 2 notas de R$5, ou mesmo 5 notas de R$2: no fim será tudo a mesma coisa, podendo você fungir uma nota de R$10 por duas de R$5 sem qualquer diferença de valor. Isso significa que o dinheiro circulante é fungível. Mas, se você tiver um automóvel usado no valor de R$100 mil e dois outros, da mesma marca, valendo R$50 mil cada, não poderá fazer a mesma analogia. Eles podem valer igual, mas inegavelmente sempre serão coisas diferentes. Essa abordagem é um dos pilares dos NFTs: tornar um ativo digital único, de modo que seja possível verificar a sua identidade, autenticidade, domínio da propriedade e direitos autorais. Esse tipo de verificação é proporcionado pela tecnologia blockchain, que atua como um grande ‘livro de controle’, permitindo que o ativo fique na propriedade de um único usuário, sendo que só ele possui a chave adequada para ter acesso ao ativo. Se você for comprar uma obra de arte em um leilão, antes de fazer seu lance receberá um certificado que comprova estar adquirindo uma obra original. Os NFTs funcionam da mesma forma, só que em âmbito digital. Obviamente os NFTs também podem ser utilizados para bens tangíveis e fungíveis, como imóveis, veículos, joias, itens utilitários, etc. mas o “processo avaliador e autenticador” é bem mais complexo.

O Registro Eletrônico de Saúde (RES) será um elemento digital único, intransferível, não duplicável (infungível), só acessado pelo usuário ou por quem ele autorizar. Uma empresa, ou o Estado, ou seu Plano de Saude, ou uma Certificadora Digital, ou mesmo você poderá criar um NFT que lastrei seu RES. O processamento é descomplicado: (1) precisa ter uma carteira de criptomoeda (Ethereum, por exemplo) numa plataforma segura; (2) adquirir uma quantidade mínima de criptomoeda, que no caso da Ethereum (ETH) vale hoje em torno de US$ 3.800,00 a unidade, mas para criar o NFT pode adquirir uma fração dela, como 0,1 ETH; em seguida (3) deve escolher um Marketplace NFT para comercializar seu RES-NFT, como, por exemplo, o OpenSea; sendo que nele mesmo (4) pode gerar seu token infungível clicando na opção ‘minhas coleções’. Fim. Com isso, o RES-NFT (+ código do proprietário) estará concebido. No Marketplace ele pode ser monetizado, sendo que só o usuário-proprietário terá o direito a autorizar e comercializar o ativo, sem que este jamais saia de sua máquina (ambiente computacional). O que você monetiza é uma “cópia certificada” dele (autorização remunerada de uso), com todos os direitos jurídicos, comerciais e autorizatórios de uma plataforma blockchain. No vídeo “How NFTs will revolutionize medicine” dois médicos explicam mais detalhadamente o processo.

Certamente que ainda existem inúmeros itens a considerar, como ‘pontas soltas’, regulações necessárias, regras de compliance, normatização de processos, etc., que deverão cercar os NFTs na área de Saúde. Mas a velocidade desses protocolos depende da demanda de adoção, e ela é grande. De acordo com Future Health Index (FHI), publicado em 2021, 84% dos principais líderes nacionais em saúde estão investindo em RES, com 61% deles focados nos ambientes de telemedicina. Também é certo que os EHRs têm uma direção inquestionável: blockchain. Segunda a Nasdaq (outubro/2021), em seu texto “Blockchain Could Be the Future for Electronic Health Records”, os EHRs e PHRs com essa tecnologia são o caminho natural nos próximos anos, carecendo tão somente de musculatura tecnológica para atender a demanda. Em poucos anos todo o mercado provedor de serviços e produtos de saúde só terá acesso a pesquisas científicas/tecnológicas, analytics trials, estudos biogenéticos, análises clínicas para novos medicamentos, novas terapias, novos procedimentos diagnósticos, etc. por meio dos “NFTs-Clínicos”. Mesmo que não ocorra qualquer transação comercial, a segurança-blockchain’ deverá ser o motor de acesso.

O portador de uma doença rara, por exemplo, cujo medicamento está em desenvolvimento e quando comercializado poderá custar algo em torno de US$ 50 mil a dosagem, terá a possibilidade de acessar a droga numa transação monetizada com seus próprios dados, que para o ‘drug-developer’ tem um valor inestimável. Quanto valerá o RES, por exemplo, de um paciente totalmente vacinado contra a Covid-19, mas que foi reinfectado mais de uma vez? Quando num futuro próximo o indivíduo estiver em seus últimos dias de vida, com a família ao lado lamentando o desfecho, seu “NFT-Clínico” estará incluso em seu testamento, que poderá valer mais do que todos seus ativos-físicos legados. Dependendo do perfil do usuário, é possível projetar hoje que um NFT-Clínico (atualizado) possa gerar renda por até duas décadas.

Blockchain, ou Healthchain, tem potencial para transformar os cuidados de saúde, colocando definitivamente o paciente no centro do sistema. Os EUA, por exemplo, são líderes mundiais em inúmeros segmentos. No entanto, estão no fim do ranking dos “países suficientemente ricos para ter excelentes cuidados universais de saúde”. Podem ter a melhor medicina do mundo, mas são engolidos pela iniquidade assistencial. Os motivos dessa aferrada realidade não são só as erráticas políticas públicas de saúde (legislação, regulação e conceituação), mas também a falta de uma “regulação nacional de disponibilização e intercambialidade de dados” factível, segura e simples. Ou seja, por mais que na última metade de século tenham sido implantadas inúmeras regulações de compartilhamento de dados no país, os problemas de interoperabilidade continuam a ser muitos. Pacientes norte-americanos ainda precisam usar um aparelho de fax (sim, acredite) para enviar e receber documentos médicos. Dependendo do provedor de saúde, pode demorar semanas ou meses para que os dados cheguem, e o mesmo tempo para serem compartilhados com outros prestadores de serviços. Ironicamente, parece que os hackers têm muito mais facilidade de obtê-los, vide o número crescente de roubos de dados em instalações de saúde. Observação: no binômio NFTs & Blockchain, se ocorrer um data-cyber-attack em uma instalação médica (hospital, por exemplo, como passou a ser rotina), os dados do paciente estão protegidos por estarem criptografados e inacessíveis a redes locais, ou mesmo em nuvem.

Em abril de 2021, em pleno ‘tobogã pandêmico’, a empresa Aimedis, sediada nos Emirados Árabes Unidos, anunciou sua plataforma NFT Healthcare (AIMX). Utilizando tecnologia blockchain, a empresa implantou um conjunto de produtos e serviços B2C e B2B que beneficia pacientes e profissionais de saúde. Oferece serviços de saúde, como consulta virtual, gerenciamento de consultas, prescrições, registros médicos eletrônicos, conexão com dispositivos de rastreamento e uma enorme gama de outras aplicações. Na prática, pacientes de qualquer lugar do mundo podem compartilhar voluntariamente seus dados, mas somente profissionais de saúde registrados na plataforma podem fazer upload dos NFTs, permanecendo o paciente anônimo. Da mesma forma, o AIMX atua como um instrumento de pagamento da plataforma, com as transações sendo remuneradas em criptomoedas ou em modo fiduciário. Além disso, os médicos também podem obter ganhos ($) vendendo os dados de pesquisas no modelo NFT. Os usuários também poderão usufruir de descontos nos serviços da plataforma, bem como pagá-los com seus dados anonimizados. O próximo passo da empresa é lançar o AIMSocial, uma plataforma interativa para ajudar os pacientes a se apoiarem mutuamente, incluindo acesso por meio de metaverso.  

Todos os anos, o setor de saúde realiza aproximadamente 30 bilhões de transações em saúde, das quais 50% são falsificadas. O problema não se limita apenas aos fabricantes de medicamentos, mas também aos fabricantes de instrumentos médicos. A OMS estima que 8% dos dispositivos médicos em circulação hoje são cópias falsificadas. Além disso, 63% dos médicos não recebem os dados dentro do prazo previsto, ou recebem informações inadequadas. A promessa de alívio por meio de healthchain está cada vez mais clara. Desfragmentar sistemas de saúde passou a ter uma relação direta com aumento de acesso, redução de custos, velocidade de ações epidemiológicas, etc., sendo o Prontuário Eletrônico do Paciente a mola-mestra dessa expansão. Na Índia, por exemplo, o provedor de saúde digital CallHealth fornece serviços utilizando a plataforma ChainTrail (tecnologia blockchain proprietária da ThynkBlynk), permitindo que diferentes provedores integrem e compartilhem com segurança seus EHRs.

A luta contra ‘produtos farmacêuticos falsificados’ deverá estar ancorada em NFTs, que geram “pegadas digitais” durante sua vida útil, sendo capazes de proteger e agilizar o rastreamento e a identificação imediata de problemas, como, por exemplo, as prescrições falsas no mercado negro. Da mesma forma com o rastreamento e gestão de doações de sangue, onde doadores receberão um token-exclusivo que é rastreado desde o momento em que o sangue é coletado até seu deslocamento ao banco de sangue e seu receptor, sendo o tracking realizado integralmente pelo NFT sem qualquer necessidade de integração com qualquer outro software. Sem falar nas inúmeras aplicações que surgem no segmento de driven-consumer, como da startup Enjin (Cingapura) que desenvolveu NFTs para tornar mais fácil aos indivíduos e empresas transformar milhagem em benefícios para os que cumprem metas estabelecidas. A RightsHash, por exemplo, usa NFTs para representar e gerenciar os “direitos daqueles que desejam participar” de ensaios clínicos. Os usuários são capazes de rastrear e monitorar seus ‘acordos de consentimento’ em tempo real, controlando transações de diferentes fontes de dados em diferentes aplicativos. Nessa direção, à medida que os bens digitais de maior valor entram nesse mercado, os NFTs poderão servir como garantias creditícias das chamadas operações de DeFi (sistema financeiro que elimina a necessidade de bancos ou intermediários centralizados), um segmento que cresce rapidamente entre as fintechs.

Várias inovações em curso, como OpenHealth, seguem na mesma direção e convergem para o mesmo propósito: patient empowerment. NFTs, Blockchain e Inteligência Artificial estão reinventando o mercado bancário, ou de entretenimento, ou de logística urbana, sendo que o mesmo ocorrerá com o setor de Saúde. Nesse sentido, será importante nos acostumarmos com o contexto de atualização de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C), que minimiza estar em dia com fatos e atos, e maximiza manter-se em constante atuação. Para ele, estar ‘atualizado’ é estar potente, estar pronto para atuar na direção de sua potencialidade, na busca do devir, perseguindo e alcançando uma potência que supere as possibilidades de retardo que o mundo sempre quer nos impor. Expressões como “estou atualizado”, ou “minha empresa está atualizada”, pouco significam no contexto da pós-modernidade. A única coisa que importa daqui para frente é se você ou sua empresa estão potencializados. Como diria Aristóteles nos dias de hoje: “não basta abrir os olhos, ou estar informado e esclarecido, é preciso ter capacidade de perceber sua potencialidade e transformá-la em ação, em atuação e em atualização de potência”.

Guilherme S. Hummel
Scientific Coordinator Hospitalar Hub
Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)