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Scanner portátil, sem fio, ultrassonografando o corpo inteiro em minutos

Article-Scanner portátil, sem fio, ultrassonografando o corpo inteiro em minutos

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POCUS cresce e aparece

Desde Hipócrates, os pilares do exame físico à beira do leito são: inspeção, palpação, percussão e ausculta. Por cerca de dois mil anos o diagnóstico clínico foi saindo unicamente da competência médica para, neste século, depender também da competência de máquinas, chamem elas dos nomes que quiser. No século XX, surgiu a Ultrassonografia, uma extensão da tecnologia de sonar que foi aprofundada durante as grandes guerras mundiais. Nos 1970s e 1980s, ela entrou na área médica como exame complementar, mas seu impacto no suporte a assertividade médica foi de tal ordem que no anos 2010s ela também chegou à beira do leito. São dispositivos cada vez mais compactos, mais precisos, menos lentos e, ultimamente, abarrotados de inteligência artificial. Crescem em importância principalmente na facilitação diagnóstica. Assim, as máquinas ultrassonográficas passaram a fazer parte de qualquer sistema de medição, não só na engenharia de produção como na assistência clinico-assistencial. Jogar ondas, recebê-las de volta em forma de “impressões” (imagens do corpo ou tecido examinado) passou a ser um axioma, principalmente na medicina deste século.

De tão importante, a ultrassonografia móvel e portátil ganhou até um neologismo: POCUS (Point of Care Ultrassound). Trata-se de um dispositivo de avaliação médica ultrassonográfica capaz de avaliar um paciente a “beira do leito”, não importando mais onde está o leito. Pode ser utilizado por qualquer médico treinado, analisando as estruturas anatômicas do paciente e utilizando protocolos definidos que dependem do contexto e das hipóteses diagnósticas. Esses devices já estão no mercado há pelo menos uma década. Mas, pós-Covid, onde o paciente passou a se distanciar dos ambientes contaminados, os pocus ganharam uma dimensão hiperbólica.

Em outubro último, na Assembleia Científica do American College of Emergency Physicians (ACEP2023), realizada em Filadélfia, EUA, várias empresas de medtech mostraram porque os médicos talvez estejam encerrando em muitas práticas a longa e eficiente vida do estetoscópio. Nos ambientes de emergência, por exemplo, os “wireless handheld whole-body ultrasound scanners” estão revolucionando o atendimento, ainda mais porque as novos devices se fartam de usar IA. São tão compactos quanto um iPhone, funcionam com dispositivos iOS ou Android, são portáteis, sem fios, disponibilizam imagens de alta definição, oferecem um grau de mobilidade único (cabem no bolso do jaleco), respondem em tempo real e sua integração matricial linear para 95 a 99% das análises é feita com um único transdutor. Trata-se de um “scanner de cabeceira” obtendo imagens de cada parte do corpo em poucos minutos. São dispositivos projetados para, os poucos, substituir os grandes e pesados ​​aparelhos de ultrassonografia, tão conhecidos do setor.

A Clarius, por exemplo, lançou na ACEP2023 seu Clarius PAL HD3. Segundo a empresa, é “o primeiro scanner portátil sem fio de matriz dupla que permite visualizações de todo o corpo, da anatomia superficial à profunda”. Seu scanner fornece imagens de alta resolução da pele até 40 cm de profundidade (médicos podem realizar exames de ultrassom de corpo inteiro sem a necessidade de trocar dispositivos ou transportar o paciente para outras salas). É desenvolvido com 192 cristais piezoelétricos e opera com processamento de 8 beamformers (8 vezes mais rápido do que os dispositivos normais do mercado que operam com 1 a 2 beamformers). A empresa apresentou também estudo comparativo com outros modelos disponíveis no mercado para a oftalmologia e estética facial. Os preços variam entre US$ 3 e 6 mil.

Na mesma ACEP2023, a Philips mostrou sua linha Ultrasound Compact System 5000 Series e Lumify Handheld Ultrasound. Resumiu sua estratégia Pocus a uma informação preliminar: seus dispositivos realizam cerca de 44 milhões de procedimentos diagnósticos e intervencionistas a cada ano em todo o mundo. Suas novas linhas funcionam até 5 horas de digitalização contínua e a tecnologia do transdutor podem enriquecer as definições em vários e diferentes ângulos. Em agosto de 2023, a Wipro GE Healthcare também anunciou o seu produto, o Vscan Air, uma plataforma ultrassom portátil sem fio também projetada para permitir a varredura de todo o corpo no local de atendimento. O sistema está sendo usado no Nepal para reduzir as taxas de mortalidade infantil e materna (no país, ocorre 1,46% mortes perinatais nos nascimentos). A empresa explica que hoje existem mais de 50 mil conjuntos Vscan no “bolso dos médicos”, impactando o atendimento de mais de 100 milhões de pacientes ao redor do mundo. No mesmo evento (ACEP20232), a Mindray apresentou seu primeiro wireless-handheld-ultrasound (TE Air), prometendo fazer a diferença no setor.

Não faltam marcas ocupando espaço na ultrassonografia portátil, como as chinesas Konted e SonoMaxx, ou o sistema Butterfly Network, que anunciou acordo para, em conjunto com a Forest Neurotech, desenvolver interfaces cérebro-computador usando tecnologia Ultrasound-on-Chip™. Além disso, os devices ficam cada vez mais compactos. O scanner da EagleView, por exemplo, pesa 260 gramas e atende a 15 especialidades médicas. A norte-americana Exo, por sua vez, ressalta que seu dispositivo é melhor que os concorrentes pela utilização intensiva de IA. Seu device (Iris), lançado em setembro de 2023, possui várias aplicações em IA ajudando os médicos a saber o que procurar no ultrassom. Depois que o usuário escolhe qual órgão deseja observar, as configurações internas do Iris se ajustam automaticamente para fornecer a melhor qualidade de imagem para aquela área específica do corpo. A tecnologia patenteada SweepAI da empresa captura automaticamente imagens cruciais, reduzindo a dependência da habilidade do operador, minimizando potenciais distorções e garantindo imagens menos imprecisas. Possui campo de visão de 150 graus e profundidade de 30 centímetros, o que permite ver todo o fígado de um paciente, ou um feto de corpo inteiro. Além disso, o sistema Iris apresenta o Bladder AI, que identifica o volume da bexiga em segundos. A empresa também revelou planos adicionais de IA, incluindo suítes avançadas de cardiologia e imagiologia pulmonar (aguardando aprovação do FDA). Seu preço no EUA também varia em torno de US$ 3.500.

O estudo “Comparison of four handheld point-of-care ultrasound devices by expert users”, publicado em 2022, avaliou scanners portáteis de ultrassonografia por meio de 24 especialistas, comparando quatro marcas diferentes em testes observacionais e prospectivos. O fato é que os scanners ultrassonográficos manuais vão mudar a forma como médicos diagnosticam, não só no vetor precisão como na velocidade. Nos campos mais complexos e difíceis, como nos confrontos militares, o Pocus mostra sua eficiência. A Razom, por exemplo, uma organização sem fins lucrativos com sede nos EUA, oferece apoio à Ucrânia em treinamento e utilização de Pocus, sendo que até setembro a organização já implementou mais de 400 dispositivos de ultrassom portáteis Butterfly iQ no país (a Butterfly Network já implementou quase 900 dos seus dispositivos na Ucrânia através de mais de 40 parcerias globais em Saúde desde 2022).

A história do ultrassom começa no século VI a.C. com Pitágoras e seu trabalho com cordas vibrantes. Sua invenção do sonômetro (instrumento para medir os níveis sonoros de forma padronizada) lançou uma linha do tempo de descobertas, desde a vibração sonora, transmissão, escolocalização, Doppler e piezoeletricidade até navegação e alcance sonoro (Sonar) na Segunda Guerra Mundial. Essas descobertas e avanços levaram à primeira tomografia cerebral na década de 1940, à primeira visualização de um coração em movimento usando exibição de movimento (Modo M) em 1954 e ao primeiro ultrassom obstétrico em 1957.

A ultrassonografia portátil ainda não atingiu um modelo de adesão convencionada, ou seja, inda existem barreiras. A curva de aprendizado acentuada e a escassez de habilidades em ultrassonografia ainda são entraves, mas que devem ser minimizados com a utilização crescente das LLMs (IA generativas) que devem lançar plataformas específicas para a orientação dos usuários no posicionamento e na movimentação da sonda. Nesse sentido, também prometem as iniciativas de tele-ultrassom, capaz de conectar remotamente os usuários inexperientes com os especialistas.

O modelo de negócio também está mudando. Empresas como Vave e Clarius passaram a introduzir modelos de pagamento por assinatura. Fornecedores desses produtos estão na mesma raia que outros insumos eletrônicos de “baixo custo”, que precisam gerar grandes volumes de venda para obter lucro. Como a adoção ainda não é generalizada, muito fornecedores patinam nos lucros. A venda por assinaturas pode reduzir esse ‘gap de receita’, incentivando hospitais e grandes seguradoras a investirem em quantidades maiores (por assinatura) para reduzir seus custos operacionais de identificação diagnóstica..

Hoje, já existem perto de 25 domínios de práticas ou competências essenciais para plataformas Pocus, conforme mostra o estudo “POCUS25: Top 25 Point-of-Care Ultrasound Community-Defined Practice Domains”, publicado em novembro/2023 pela Elsevier. Os próximos anos serão empolgantes para a ultrassonografia portátil. Um aluno que passar no vestibular e entrar na Escola Médica em 2024, provavelmente utilizará esses scaners com naturalidade. Mais do que isso, em menos de uma década teremos scaners portáteis ultrassonográficos sendo utilizados por pacientes. Sim, tudo o que a indústria medtech (devices eletrônicos) desenvolver para o médico utilizar na identificação de um diagnóstico do paciente, o setor providenciará uma versão para uso domiciliar do próprio paciente. Em muitas práticas, não serão as máquinas que substituirão os médicos, mas os próprios pacientes.

Guilherme S. Hummel

Scientific Coordinator Hospitalar Hub

Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)