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Virtual Surgery Platforms: transportando o cirurgião para dentro do paciente

Article-Virtual Surgery Platforms: transportando o cirurgião para dentro do paciente

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Cirurgia Robótica e Realidade Estendida reinventam o cirurgião

Em janeiro de 2021, o neurocirurgião Sohum Desai (Texas) queria apoio na implantação de um stent para manter aberto um vaso sanguíneo no cérebro de um paciente. Chamou dois colegas. Um estava em um prédio próximo, o outro em Los Angeles (2.500 km de distância). Desai usava a voz e as mãos para explicar cada etapa da intervenção, enquanto a tela dos dois colaboradores se dividia em quatro segmentos, mostrando em cada um as imagens da cirurgia e o Raio-X (on-line) do paciente. À medida que o cirurgião inseria lentamente o cateter uma câmera digital no topo da mesa cirúrgica transpunha o dedo digitalizado de um dos assistentes sugerindo um caminho para que Desai direcionasse a inserção. E assim, passo a passo. Os médicos conversavam, palpitavam e sugeriam variáveis com o dedo indicador que Desai observava de seu monitor. “Eles podiam ver o que eu estava fazendo e eu podia ver o que eles sugeriam. Basicamente, isso dava a eles uma telepresença, como se estivessem presentes bem ali, junto comigo”, explicou Desai.

Um experimento? Não, longe disso. O sistema utilizado por Desai foi a plataforma de virtual-surgery Proximie, instalada em mais de 300 hospitais pelo mundo (incluindo o Massachusetts General Hospital), sendo aplicada em mais de 10 mil sessões cirúrgicas, sendo cerca de 6 mil só em 2020. O sistema permite aos médicos “entrar” virtualmente nas sessões onde a plataforma esteja instalada, podendo fazê-lo por meio de um smartphone, tablet ou desktop (sem uso de óculos-headset). Utilizando inteligência artificial e realidade aumentada, a aplicação introduz remotamente os especialistas ‘dentro das salas cirúrgicas’, ou, dependendo da posição das câmeras, até ‘dentro do paciente’, como ocorreu em junho de 2021, quando um especialista em Seattle (EUA) usou a plataforma para orientar uma colega instalada em Londres (8 mil quilômetros) que removia um tumor cancerígeno com ajuda de um robô-cirúrgico. Alguns chamariam isso de treinamento-cirúrgico-assistido, mas as plataformas de cirurgia virtual vão além, já sendo consideradas ‘instâncias de colaboração cirúrgica’, ou ‘instrumentos de intervenção coparticipativa’. Não importa a denominação, mas a expansão que promovem nas cadeias de saúde (segundo a OMS, 5 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a assistência cirúrgica segura, oportuna e acessível, sendo que nove em cada dez indivíduos de países de baixa/média renda não têm qualquer acesso a serviços cirúrgicos básicos).

As salas de procedimentos invasivos nunca receberam tantas inovações tecnológicas como neste século. Cirurgia robótica, Nanorrobôs, Impressora 3D, Órgãos Artificiais, Stents Bioabsorvíveis, Sistema Inteligentes de Navegação, Telecirurgia, Telerobótica, Simulações e Planejamento Pré-operatório, Bisturi Cirúrgico Inteligente, MEMS (Micro-Electro-Mechanical Systems), Augmented Reality Surgeries, Extended Reality (XR), Bioimpressão e muito mais. Uma nova geração de cirurgiões, quiçá denominados telecirurgiões, desponta nesse frenético ritmo de inovações. O maior empowerment para o setor, no entanto, vem da capacidade de aprendizagem que essas plataformas possibilitam aos profissionais de saúde. Centenas deles podem estar remotamente presentes em cada intervenção absorvendo conhecimento e destreza. Esse impacto transformador está descrito no report “Future of Surgery” publicado em 2019 pelo Royal College of Surgeons (RCS) do Reino Unido. O documento examina o efeito dos avanços de remote-sugery na medicina contemporânea. “O papel do cirurgião será cada vez mais multifacetado, precisando que ele se torne ‘multilinguista’, compreendendo a linguagem da medicina, genética, cirurgia, radioterapia e bioengenharia. Liderança, habilidades gerenciais e empreendedorismo serão atributos cada vez mais importantes para o profissional cirúrgico”, explica o report.

Boa parte dessas tecnologias já são amplamente utilizadas ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Todavia, os instrumentos de Realidade Aumentada (AR), Realidade Extendida (MXR), Telecirurgia e Telerobótica concentram o poder transformador do setor. São verticais que permitirão a inexperientes cirurgiões se capacitarem com profissionais altamente especializados. Um novo procedimento, uma nova tecnologia, ou qualquer surgical-handling que levaria duas ou três décadas para ser disseminado nas academias de medicina poderá ser absorvido e aprendido em semanas. No evento realizado em Londres em novembro de 2021, “Future Surgery Show”, ficou claro que muitos cirurgiões se inclinam cada vez mais pela adoção dessas tecnologias, ainda que o façam com toda a cautela. Plataformas de (1) Robot-assisted Surgery e (2) Virtual Surgery (compartilhamento remoto de procedimentos cirúrgicos) lideram as inclinações emergentes. Para Shafi Ahmed, por exemplo, CMO da Medical Realities e o primeiro cirurgião a mostrar ao vivo (2016) uma cirurgia-metaversa (para mais de 50 mil pessoas), o evento deixou uma mensagem: “Este é o ano dos robôs!”. Líderes consagrados da indústria de dispositivos médicos apresentaram seus robôs cirúrgicos no evento, como a Johnson & Johnson (sistema Ottava) e a Medtronic (Hugo™RAS), com ímpetos de competir diretamente com os pioneiros da robótica cirúrgica, como a Intuitive Surgical, que em 1997 deslumbrou o mundo com o primeiro robô Da Vinci. São incumbentes como novas ideias desafiando notáveis com velhas ideias, algo como a Ford e a GM entrando finalmente para competir com a Tesla.

A tecnologia SyncAR, por exemplo, parceria entre a Surgical Theatre e a Medtronic, permite que cirurgiões tenham acesso a todas as informações operatórias ‘em um só lugar’, quando normalmente precisam olhar várias telas para acessar os dados do paciente. Projetado especificamente para neurocirurgias complexas, a plataforma inclui imagens 3D ampliadas de cada detalhe do corpo operado, sendo coletadas por exames anatômicos (ressonância magnética e tomografia computadorizada). Na sequência são inseridas diretamente no dispositivo cirúrgico StealthStation S8 (Medtronic), um ‘navegador’ equipado com microscópio e tela que possibilitam marcações multicores (3D) de artérias, vasos e nervos. Sem falar nos “recursos de navegação para os centros cirúrgicos”, uma espécie de ‘wase para cirurgiões’ (mapa do corpo humano em 3D orientado a intervenções cirúrgicas). Nessa direção, Stephen Murphy, cirurgião do New England Baptist Hospital (Boston), conduziu uma substituição de quadril mapeando as áreas intervencionadas, sobrepondo hologramas (3D) à imagem do paciente. Ou seja, usando headsets HoloLens 2 a equipe pôde ver a sobreposição de imagens, tornando o HipInsight, inventado por Murphy, a primeira plataforma em RA para orientação intraoperatória de substituição articular (acompanhe no vídeo). Por outro lado, a Vicarious Surgical se concentra em aprimorar as habilidades dos cirurgiões. Também sediada em Boston, a empresa combina robótica cirúrgica com realidade virtual possibilitando que os ‘braços-robóticos’ se movam dentro do abdômen do paciente como se o cirurgião pudesse estar no seu interior, nas suas fronteiras, discutindo com dezenas de assistentes espalhados pelo mundo o melhor caminho a percorrer (acompanhe no vídeo). A plataforma captura ‘vídeo-360’, dando aos cirurgiões uma visão totalmente imersiva, como se “estivessem sentados no braço-bisturi”, ou pudessem ser “encolhidos” para conduzirem seu trabalho por meio de novas perspectivas, olhando para onde se sentem mais seguros.

O Metaverso, que ganhou manchetes midiáticas nos últimos tempos, atrai investimentos para várias outras empresas do segmento, como a FundamentalVR, ou a Medical Augmented Intelligence ou mesmo a Osso VR, que provêm insumos de realidade estendida para os centros cirúrgicos. “Você tem uma informação tridimensional, que passa a estar completamente conectada aos seus olhos e a sua mente. Como cirurgião, você tem a percepção de onde as coisas estão, ou que estão compreendidas em seu espaço de domínio, nos fazendo sentir que sem essas novas ‘realidades’ estaríamos totalmente cegos”, explica Murphy. A medicina cirúrgica do século XXI vem se utilizando cada vez mais da robótica, possibilitando ao cirurgião manipular “garras-mestras” que geram insights para centrais de Inteligência Artificial, que os analisa, filtra e depura em segundos, transferindo-os de volta ao operador como sinais-orientativos para movimentação robótica. Trata-se da consagração do apoio à “decisão cirúrgica”, que geralmente é solitária e arriscada. Junte-se a isso a capacidade de treinar, habilitar e aprimorar milhares de aprendizes com incrível velocidade e assertividade. Um médico pode ter acesso hoje a uma centena de sessões cirúrgicas em tempo real, ou visualizá-las em videotecas espalhadas pelo mundo. Sociedades como APTA (American Physical Therapy Association) referem-se ao aparelhamento robótico/virtual como “uma nova era na função, movimento e recuperação do ser humano”.

Robôs cirúrgicos são capazes hoje de guiar colonoscopias, endoscopias, implantar eletrodos no cérebro, ou realizar microcirurgias dentro do olho humano, ainda que tenham problemas de latência, custos e disponibilidade de recursos humanos, itens que devem ser minimizados com a entrada de 5G, com uma escala demandante e crescente e com as facilidades do treinamento-online. Segundo dados da H.Strattner, empresa que comercializa equipamentos cirúrgico-robóticos no Brasil, são realizadas por volta de 30 mil cirurgias dessa natureza no país, com cerca de 1.200 cirurgiões já certificados para realização desse modelo cirúrgico. Mas, sistemas computacionais assustam os sistemas médicos, afinal, robôs e máquinas de autoaprendizado podem ser um dia capazes de realizar cirurgias com pouca ou nenhuma intervenção humana. De acordo com previsão da Association of American Medical Colleges, em 2033 haverá um déficit entre 54 mil e 140 mil médicos só nos EUA. Nesse sentido, os avanços na robótica-cirúrgica não descartaram a possibilidade de máquinas que prescindam de braços e olhos humanos. Ferramentas totalmente automatizadas já são testadas desde 2016, como mostrou o IEEE (maior sociedade técnico-profissional do mundo, criada em 1884). São plataformas cirúrgicas capazes de realizar tarefas de ponta a ponta, conforme estudo publicado na Science Translational Medicine. Se um veículo com três ou mais pessoas já se locomove sem motorista é difícil imaginar que “coisas similares” não aconteçam no campo cirúrgico. Vale um exemplo: “sentado em um banquinho a vários metros de um robô de braços longos, o Dr. Danyal Fer envolvia os dedos em duas alças de metal perto de seu peito. Conforme movia as alças o robô imitava cada pequeno movimento com seus próprios braços. Quando juntou o polegar e o indicador, uma das minúsculas garras do robô fez o mesmo. Cirurgiões como Fer há anos usam robôs para, por exemplo, remover a próstata de um paciente. Depois dessa breve demonstração, Fer (Universidade da Califórnia) largou as alças e um novo tipo de software assumiu. Enquanto ele e os outros pesquisadores observavam, o robô começou a se mover inteiramente e por conta própria”. O fascinante acontecimento foi descrito pelo The New York Times em abril de 2021, mostrando que projetos de autonomia robótica cirúrgica estão longe de serem somente ficção.

E o paciente? Vai aceitar uma máquina robótica realizando, por exemplo, um implante coclear sem a tutela manual dos cirurgiões? Trata-se ainda de uma incipiente e prematura pergunta (nenhum paciente questiona hoje o cirurgião sobre o quanto de ‘robótica’ terá sua cirurgia), mas cuja resposta pode surpreender. O estudo “Acceptance of patients towards task-autonomous robotic cochlear implantation”, realizado por pesquisadores da University of Vienna e publicado em 2020 no International Journal of Medical Robotics, mostrou que 73% dos pacientes e 84% de pais de pacientes expressaram alta aceitação ao TARCI (task-autonomous robotic cochlear implantation), implante que reduz a perda de audição, sendo curioso que os pacientes com atitude negativa eram significativamente mais jovens.

A telerobótica cirúrgica deve explodir nos próximos anos. O motivo é conhecido em toda a indústria setorial: o mercado de robôs cirúrgicos foi dominado por quase três décadas pelo sistema cirúrgico Da Vinci, da empresa norte-americana Intuitive Surgical (mais de 3 milhões de procedimentos realizados). Trata-se de um gigante valendo US$ 126 bilhões, com dezenas de milhares de cirurgiões usando seus consoles em todo o mundo, com mais de 6.500 instalações em hospitais e centros cirúrgicos. Nos EUA, cada patente confere a seu proprietário o direito de excluir a concorrência por um período de tempo (geralmente 20 anos), justificado pela “invenção coberta pela patente”. Ocorre que a partir de 2022 as principais patentes da Intuitive Surgical começam a expirar, desencadeando uma colossal competição entre centenas de empresas ao redor do mundo (o preço de um Da Vinci não sai por menos de US$ 1 milhão). No filme "Prometheus", de 2012, uma personagem feminina entra em uma máquina robótica-cirúrgica que naquele momento realizava uma cesariana emergencial para remoção de um feto alienígena. Mesmo sendo ficção, alguns filmes frequentemente antecipam o futuro. Na cosmologia grega, Prometeu era um semideus que roubou o fogo de Zeus para salvar os homens da extinção. Do mesmo modo, milhares de empresas devem estar hoje se preparando para invadir as vísceras do ‘zeus-vinci’ e lançar novos alienígenas no mercado global de telerobótica cirúrgica.


Guilherme S. Hummel
Scientific Coordinator Hospitalar HUB
Head Mentor – EMI (eHealth Mentor Institute)